quarta-feira, 10 de março de 2010

Adolfo Luxúria Canibal, os 25 anos de “Mão Morta”, e a sua vida em Braga…

Mão Morta ©Blitz
©Blitz

Vinte e cinco anos de carreira é uma idade séria. Na música costuma medir a capacidade de "endurance", mas também uma determinada habilidade - a de equilibrar identidade e favores do público. O caso dos Mão Morta é, porém, muito singular: batem à porta de 2010 com um novo álbum na bagagem - para uma multinacional ainda por cima - e uma reiterada vontade de continuar a aguçar as suas facas rock and roll; ao mesmo tempo que investem no futuro imediato, os Mão Morta balizam 25 anos de actividade com a reedição dos seus primeiros quatro álbuns numa caixa "budget" de título Mão Morta 1988-1992 . No comboio que faz com que Braga fique apenas a três horas e meia de distância de Lisboa, prepara-se a entrevista com Adolfo Luxúria Canibal, o homem do leme deste colectivo desde a primeira hora.

O encontro está marcado para o fim de um dia frio de Janeiro à sombra da pedra milenar da Sé de Braga, local simbólico da mentalidade conservadora que viu, certamente escandalizada, o grupo de "Oub' Lá" nascer em finais de 1984. A primeira parte da longa conversa tem, no entanto, lugar num cenário radicalmente diferente: um restaurante de sushi gerido pela companheira de Adolfo, que representa não só um olhar para o futuro, como outro tipo de empreendimento - não artístico - do homem que quando não vocifera palavras de caos e desordem ganha a vida como jurista. "Estava farto de ter que ir ao Porto para comer sushi", desabafa. E é neste pedaço de futuro bracarense, que começamos a olhar para o passado.

Em criança, o que é que queria ser quando fosse grande?
A única coisa que sei é o que me contaram e, claro, o que me contaram foi o lado anedótico. E dentro desse lado anedótico, ao que parece aquilo que eu queria ser era Presidente da República.

E quando é que sentiu que já não era criança?
Tenho a impressão de que mais do que psicologicamente ou racionalmente, esse meu crescimento esteve relacionado com a geografia, digamos. Eu vivi a infância em Vieira do Minho, o meu pai era administrador florestal e nós tínhamos uma casa de serviço, com jardim, floresta, rio. Era um espaço imenso onde a liberdade era um facto - podia pegar na bicicleta e ir apanhar castanhas, brincar com os cães, tomar banho no rio. E eu acho que o fim da minha infância chegou quando saí de Vieira do Minho e fui para Braga, com onze anos.

Sentiu algum choque?
Não. Quer dizer, senti que de repente a minha vida tinha mudado. Psicologicamente isso dizia-me que já não era uma criança, até porque tinha outra vivência, já não tinha a mesma liberdade de movimentos, as brincadeiras passaram a ser outras. E depois tinha a escola, a vivência urbana - dentro do que era a vivência urbana possível numa cidadezinha de província como era Braga nos anos 60. De qualquer maneira, comparado com o hiper-boculismo de Vieira do Minho, era uma realidade urbana.

O que é que era diferente em Vieira do Minho? Tinha uma casa na árvore?
Essa da casa na árvore tem graça porque é uma ideia hollywoodesca. Lembro-me do início da televisão e das emissões a preto-e-branco só ao fim do dia que começavam com séries juvenis. Lembro-me de uma série qualquer que era uma espécie de Robinson Crusoe com um tipo que estava numa ilha, dormia numa árvore e, para não cair, amarrava-se a um tronco com o cinto, o que era completamente absurdo. E eu lembro-me de ter experimentado essa técnica, a fingir que dormia numa árvore, amarrado a um tronco. A casa na árvore é uma noção distante da realidade: a nossa relação com as árvores implicava ir aos ninhos, ir apanhar castanhas, o que fosse, mas não construir casas nas árvores.

Já em Braga, vivia entusiasmado com as novas possibilidades?
Continuava a ir a Vieira do Minho aos fins-de-semana, mas a relação já era diferente, era mais um reencontro, via as mesmas pessoas, mas já não era aquele convívio quotidiano. Mas, de facto, a cidade abria todo um leque de novidades. Mesmo apesar de eu sempre ter tido uma relação próxima com Lisboa, que era onde viviam os meus avós e onde eu ia umas duas vezes por ano, já tendo por isso uma relação forte com a vivência urbana - os autocarros de dois andares, os eléctricos (que Braga também tinha), os cinemas. Mesmo tendo essa referência, Braga representava uma mudança forte.

Lembra-se da primeira ida ao cinema?
Ao cinema propriamente dito penso que não, mas lembro-me dos primeiros filmes que vi. Quando vivia em Vieira do Minho, todos os verões fazia férias em Vila Praia de Âncora e aí todas as semanas havia cinema, nos Bombeiros Voluntários. E foi aí que vi os primeiros filmes.

[Blitz]

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