segunda-feira, 12 de maio de 2008

"CALCIOCAOS Á PORTUGUESA" por Felisbela Lopes in: correio do minho.


Em Julho de 2006, a justiça desportiva italiana determinou a descida à série B da Juventus, da Fiorentina e da Lazio. Estávamos no rescaldo da euforia da vitória da Itália no Campeonato Mundial de Futebol. Foi um autêntico balde de água fria para clubes de pri-meira linha que, fora do campo de jogo, estavam envolvidos em colossais escândalos de corrupção. Por cá, na sexta-feira passada, a Comissão Disciplinar da Liga dos Clubes tomou medidas mais brandas, mas, mesmo assim, provocou uma hecatombe no futebol português.No discurso de tomada de posse, o presidente da Liga tinha considerado o processo "Apito Dourado" uma vergonha para o futebol português. Na altura muito terão assobiado para o lado, não acreditando que a nova equipa teria audácia suficiente para colocar em causa o lato império do futebol. Enganou-se quem assim pensou. Numa conferência de imprensa algo inédita, o presidente da Comissão Disciplinar da Liga, Ricardo Costa, lançou, sexta-feira passada, uma espécie de bomba atómica. A norte, poucos queriam acreditar no que estavam ouvir de um homem que falava sem medo e ditava uma sentença algo inédita para o meio futebolístico.

É certo que os tribunais cíveis ainda não decidiram o desfecho do "Apito Dourado" (quando terminará tudo?), mas o órgão disciplinar da Liga optou por intitular o processo que tinha em mãos como "Apito Final", tornando claro que se erguia ali um marco a reter, pouco importando os recursos para o Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol ou a decisão dos tribunais. Fernando Seara, chamado a comentar o caso na SIC, sugeriu que teria sido melhor o título "Apito Intercalar". Na Liga, haverá poucos membros receptivos a tais moderações.

Ontem muitos daqueles que foram chamados a comentar esta decisão censuraram Ricardo Costa pelo tom demasiado auto-elogioso que adoptou e pela mão pesada que demonstrou ter. Opiniões. Pela minha parte, penso que a conferência de imprensa de sexta-feira à tarde inaugura uma outra forma de entender o futebol. A partir de agora, os clubes e os tribunais terão mais dificuldade em se constituírem como mundos distintos que, no campo mediático, são tratados por secções diferentes. Esta semana, percebeu-se que há também um órgão disciplinar, que é intrínseco à lógica desportiva, tomando decisões enérgicas, céleres e fundamentadas. Neste quadro, os jornalistas de desporto têm de alargar o seu campo de actuação. A eles, não ficam apenas reservados os relvados. Há que perceber que o trabalho jornalístico deve igualmente estender-se àquilo que condiciona as quatro linhas e que está muito para lá das tácticas do jogo. Ao deter-se (talvez de forma exagerada, é certo) numa explicação detalhada do processo, o presidente da Comissão Disciplinar da Liga poderá ter iniciado uma nova escola no complexo universo desportivo: a de se promover conferências de imprensa com discursos bem articulados e explicativas da realidade que importa tratar.

O que se passará no futebol português é, neste momento, uma incógnita. Mas, por estes dias, algo tremeu. Na sexta-feira, uma amiga minha, portista convicta, disse-me que a ponte da Arrábida tinha desabado. Talvez tivesse sido assim que muitos sentiram a notícia. Ontem, o senhor Manuel do Laço (uma adepto convicto do Boavista) fazia a primeira página do "Jornal de Notícias" numa fotografia comovedora: encostava um dos braços à parede para tapar as lágrimas que lhe caíam copiosamente. Da parte dos (ex) dirigentes desportivos ouvimos frases duras contra a Liga. É assim o futebol português. Cheio de emoções à flor da pele.

Não sendo uma adepta fanática de qualquer clube, limito-me a olhar o futebol de forma equidistante. Não gosto da forma arrogante como alguns dirigentes falam no espaço público que é de todos nós e abomino todas as suspeições de corrupção. Penso que o futebol pode ser um espectáculo bonito e, como tal, constituir-se como um importante laço de coesão nacional. Uma espécie de "cola do mundo" que nos agrega uns aos ou-tros, mostrando o que temos de melhor. Para isso, precisamos de clubes profissionais que respeitem as regras do jogo. Será isso possível?

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